14 de maio de 2025
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ÁUDIO: Feminicida de jornalista queria marcar sessão e cantava para tentar ‘conquistar’ psicóloga

Feminicídio aconteceu no último dia 12 deste mês, mas o músico tentou contato com a psicóloga em setembro do ano passado.
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Quase cinco meses antes de assassinar a jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, a facadas, em Campo Grande, o músico Caio Cesar do Nascimento Pereira tentou agendar uma terapia para ‘conquistar’ uma psicóloga. O feminicídio aconteceu no último dia 12 deste mês, mas o músico tentou contato com a psicóloga em setembro do ano passado.
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Na ocasião, o músico entrou em contato com a psicóloga no dia 18 de setembro através de seu perfil profissional nas redes sociais. Como há um link de acesso ao WhatsApp, logo ele enviou mensagens querendo agendar uma sessão de terapia.
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“Inicialmente, pensei ser alguém que estivesse realmente precisando de meus atendimentos”, relata a profissional à reportagem do Jornal Midiamax.

 

Contudo, Caio passou a enviar diversos áudios, fazer ligações de vídeos e ainda convidou a psicóloga para ir até um boteco da Capital. “Como ele começou a ligar de vídeo sem minha autorização e a insistência em tentar falar comigo, percebi que se tratava de um homem impulsivo e tive muito medo”, conta a psicóloga.

 

 

‘Uma das psicólogas mais belas dessa cidade’

Em uma das mensagens de voz, o músico a elogia e ainda diz que a psicóloga é medrosa. “Uma das psicólogas mais belas dessa cidade, uma das mais inteligentes, mais legais e mais medrosa. Beijo. Enquanto a terapia não começa, vou cantar uma ‘musiquinha’ para você”, diz o feminicida, que logo começa a cantar músicas para a profissional.

Depois, o músico fala que gostaria de fazer uma triagem com a psicóloga e questiona se ela tem 5 minutos disponível para ele. Ele ainda insiste em falar com ela e pede que a psicóloga ‘dê um alô’ para que ele possa ligar mais tarde.

Apesar de deixar o aviso para a psicóloga, ele continua insistindo e manda novamente uma música para ela. Na mensagem de voz, ele diz que estava fazendo buscas pessoais, quando sentiu que deveria mandar uma música para a profissional.

“Oi, boa tarde! Aproveitar que eu estava aqui nas minhas buscas pessoais e aí eu senti muito que deveria mandar essa aqui para você”, diz Caio.

Em seguida, ele começa a tocar e cantar músicas do estilo gospel. Em um dos áudios, de mais de 8 minutos de duração, Caio manda várias canções para a psicóloga. “Meu Jesus maravilhoso é, minha inspiração a prosseguir, mesmo quando tudo não vai bem, eu continuo olhando para ti”, descreve uma das músicas cantadas por ele.

 

 

‘Você é careta?’

A psicóloga ainda conta à reportagem que Caio fez várias ligações de vídeo fora do horário de atendimento dela. Em determinado momento, ela atendeu a ligação de forma involuntária e viu o músico usando drogas e ingerindo bebidas.

“Ele começou a ligar de vídeo e uma das ligações acabei atendendo sem querer e vi o Caio fumando maconha e bebendo algo destilado”, conta a profissional.

Durante a ligação, segundo a profissional, o músico questionou se ela era ‘careta’. “Perguntou se eu era careta? Comentei: ‘você está usando maconha, bebendo e ligando para mim?’ Foi então que desliguei e ele continuou insistindo. E falei que não poderia continuar na ligação, pois não era o horário de atendimento”, explica a psicóloga ao Jornal Midiamax.

Após as tentativas de ligações, Caio convidou a psicóloga para ir a um boteco e ainda afirmou que gostava de surpresas, mas caso ela não pudesse comparecer, estava tudo bem.

“Entendo e respeito, até porque não foi combinado com antecedência. Porém, se o motivo for por ser um primeiro contato. Se permita. Respeite o momento, busque suas certificações”, escreveu o músico.

Na mensagem, o feminicida ainda garantiu que teria ‘muita troca genuína’. “Tenho que te contar tudo sobre os motivos que me atraíram”, falou.

 

 

‘Fiquei em choque’

A insistência de Caio durou poucos dias, segundo relata a psicóloga. Entretanto, a profissional mal sabia que o músico que a procurou naquele 18 de setembro para agendar uma sessão de terapia com o intuito de conquistá-la, seria autor do feminicídio de Vanessa Ricarte meses depois.

À reportagem, a psicóloga disse que não denunciou o músico à polícia na época, mas caso os fatos continuassem, ela iria registrar boletim de ocorrência. Logo que soube do feminicídio da jornalista no último dia 12 deste mês, a psicóloga disse que ficou em choque.

“Porque realmente o que observei pelo comportamento se tornou real”, comenta.

Ela ainda falou que soube que Caio enviou mensagens para outras mulheres dois dias antes do feminicídio de Vanessa Ricarte, o que fez com que a psicóloga acreditasse que o homem estava procurando novas vítimas para conquistá-las.

Por fim, a profissional disse que ficou sensibilizada com o feminicídio e se sente na obrigação de alertar mulheres. “Me sensibilizei muito, pensei que era minha obrigação alertar as mulheres sobre esse tipo de homem compulsivo. Sua insistência em me ver, em sondar meu perfil e buscar minha personalidade, me analisar e ver que sou solteira, que tenho meu trabalho e sou independente. Um perfil que eles buscam para fazer o a tortura completa, física, mental e patrimonial”, concluiu a psicóloga.

 

 

Feminicídio de Vanessa

A jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, servidora pública que trabalhava no MPT-MS (Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul) morreu na Santa Casa de Campo Grande, na noite do último dia 12, vítima de feminicídio.

Ela foi esfaqueada em casa, no bairro São Francisco, pelo ex-noivo, que foi preso em flagrante logo após o crime. Vanessa foi esfaqueada três vezes na região do tórax e depois levada em estado gravíssimo à Santa Casa, onde veio a óbito.

As informações são de que Vanessa tinha relacionamento há algum tempo com o autor e, há quatro meses, passaram a morar juntos na casa dela. Na madrugada do dia 12, Vanessa chegou a ir até a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), acompanhada de um amigo, para registrar um boletim de ocorrência contra Caio.

No período da tarde, ela foi até sua casa, acompanhada do mesmo amigo, para pegar seus pertences. Chegando à residência, ela foi esfaqueada no peito por Caio.

O Corpo de Bombeiros foi acionado, realizou os atendimentos e a encaminhou para a Santa Casa, onde faleceu na noite desta quarta. A Polícia Militar foi acionada e prendeu Caio em flagrante na residência.

 

 

11 passagens por violência doméstica

O feminicida acumulava 11 registros por violência doméstica. Os boletins de ocorrência de violência doméstica começaram a ser registrados em 2020.

Em um dos casos, uma ex-namorada foi parar na Santa Casa depois de ser agredida pelo músico. A ex-namorada agredida teve queimaduras no rosto e braços, o que parecia ser fricção no asfalto.

A filha da vítima na época relatou que a mãe foi agredida pelo seu ex-namorado na casa dele e que teria pegado um motorista de aplicativo até sua casa, momento em que o ex-namorado chegou pilotando uma motocicleta logo atrás da vítima. Assim, ela ligou para a polícia e o agressor fugiu do local.

A vítima, na época, contou que o músico era usuário de drogas e muito agressivo, por conta disso ficou traumatizada e faz tratamento médico devido à gravidade do fato.

Uma outra ex-companheira de Caio registrou vários boletins de ocorrência contra ele. Um dos registros foi em 2024, após a separação do casal. Na delegacia, ela disse que conviveu maritalmente com Caio por 1 ano, e que sofria violência psicológica. A mulher havia solicitado medidas protetivas contra o músico.

Em 2023, ele teve outro registro na Deam por violência psicológica contra mulher. Em fevereiro de 2023, a ex-mulher de Caio procurou a Deam depois de ser sistematicamente perseguida por ele. Na época, ela contou na delegacia que conviveu com o autor por aproximadamente 11 anos, sendo que terminaram o relacionamento havia cerca de 2 anos e meio.

Ela ainda contou que o autor não aceitava o término do relacionamento; e que, mesmo a vítima tendo relacionamento com outra pessoa, o autor ficava querendo saber da sua vida e onde estava morando. O autor a agredia verbalmente, dizendo que ela seria uma criminosa, péssima mãe, ser humano deplorável, doente e manipuladora; e lhe fazendo ameaças dizendo que a vítima não imagina o que lhe aguardava.

Nas redes sociais, feminicida exalta ser ‘homem de Deus’ e ostenta fotos com famosos

Nas redes sociais, o feminicida ostentava fotos com músicos famosos e afirmava ser um homem de Deus. Em postagens, Caio dizia: “O agir de Deus é lindo! Cantaremos a bondade de Deus”.

Já em outras fotos é possível ver Caio com músicos famosos em Campo Grande. Nas redes sociais, o feminicida falava sobre ser um homem de Deus.

“#Deus #plenitude #Jesus”, mostrava a legenda de uma das fotos postadas por Caio. Em uma postagem que aparece tocando piano, a legenda do feminicida é: “Deus é bom o tempo todo! Propósitos, sonhos, missão”.

Grupo técnico é nomeado para desafogar 6 mil ocorrências na Deam

Um grupo técnico foi nomeado para analisar cerca de seis mil boletins de ocorrência registrados na Deam e Campo Grande que não resultaram em instauração de procedimento ou que possuem providências pendentes. A decisão ocorreu após o feminicídio da jornalista Vanessa Ricarte, quando foram expostas falhas no atendimento recebido por vítimas de violência doméstica.

O grupo é formado por 20 membros, sendo composto pelos delegados Wellington de Oliveira, Marcelo Alonso, João Reis Belo, Juliano Cortez Penteado, e os escrivães Steven Souza e William Eduardo Rocha, além da investigadora Priscila Rodrigues.

Também integram o grupo outros 13 delegados nomeados como membros. O grupo terá 90 dias para concluir os trabalhos, prazo que pode ser prorrogado pela DGPC (Delegacia Geral de Polícia Civil de Mato Grosso do Sul).

Conforme informações, o grupo foi criado para aperfeiçoar o atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar. A medida seria para maior eficiência e celeridade na apuração dos crimes contra a mulher. O grupo terá os trabalhos concentrados na Academia da Polícia Civil.

Em Campo Grande, o grupo será responsável por analisar boletins de ocorrência de casos represados, aqueles em que as vítimas ou autores não são encontrados no endereço e nem por telefone pela Polícia Civil, bem como desistência de representação por parte das vítimas ou ausência/inexistência de provas ou elementos comprobatórios para a instrução e andamento dos procedimentos.

 

 

 

Fonte: Lívia Bezerra – Midiamax

Foto Capa: Reprodução/Redes Sociais